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Mostrando postagens de junho, 2013

Soneto do Galo

Galo que dormiu sobre o poleiro da noite e deu seu canto à madrugada. E que ciscou, à sombra dos salgueiros a gleba de uma véspera iluminada. Galo com semblante de guerreiro que brandiu, com o esporão, a sua espada. E que saudou a aurora, no celeiro do outono que passou, em debandada. Galo que pousou sobre a cancela e como pastor à frente do rebanho apascentou o sol e a brisa dos verões. É o galo que servido na tigela traz um gosto de silencio tão estranho entre rodelas de tomate e pimentões. - (C. S. Sampaio)

Soneto da Contemplação

Este olhar tão meigo, este sorriso lindo a magia dos cabelos e o mistério desse fulgor de pérola e de minério que brota de teu colo e vem subindo pelas curvas de teus seios sérios feito a alva de novembro ressurgindo são luzes, jardins e arcadas do império que devagar, o amor vai construindo. Neste reino de aladas florações e cores Sob arcos de uns portais, com  flores Serei bardo enamorado e cantarei. E quebrantado pela lua desses olhos teus com versos delirantes e canções de Orfeu ao toque de teus lábios, morrerei. - (C. S. Sampaio)

Soneto de Aniversário

Eu entro pelos pórticos de novembro Trazendo a alma triste e esmorecida Pois dos sonhos que sonhei e já não lembro A ausência levarei por toda a vida. Eu entro pelos pórticos de novembro Como se andasse por estreita avenida. Sonhando ouvir os sinos de dezembro Repicando desde a infância adormecida. Em dezembro cantarei, sim, farei festas Mas em novembro ficarei só repensando Se dos sonhos que sonhei, algo me resta. E se eu perceber que em vida fui passando Que eu possa, em noite branda de seresta Dizer que me bastou viver te amando.

Cântico

- a minha esposa Keu O teu corpo é uma lua cravejada de crisântemos E a um toque de lábios Todo ele floresce Teu fulgor de astro Irrompe entre as falésias de meu peito Convoca os mares de meu sangue Ondas acodem Porém, me beijas E se calam todos os ventos Então, me abraças E me torno em uma cacimba soterrada de pétalas Quantas noites se ocultam Entre os anéis de teus cabelos? Que astros tecem órbitas Nos espaços de teu sono? O que sei É que tua voz lembra um arroio fluindo Continuamente Que há pássaros cantando em teu sorriso E que teu olhar está repleto de cometas Beijo a tua boca Com lábios de silêncio e carne E toco com meus dedos O jardim de tuas espáduas Vejo estrelas caindo no teu colo E de teus seios Brotam lírios e perfume de rosas Porque tudo é primavera no teu corpo Da pele de teus lábios Frutificam romãs Mas a tua boca tem gosto de pêssegos maduros Minhas mãos te buscam Meus olhos te pedem

Soneto da Nomorada

De tanto amar-te e por querer-te tanto De mim até me esqueço e me enclausuro Neste modo imprudente e inseguro De me perder somente em teus encantos. A tudo o mais me nego e te procuro E é tamanha esta vertigem que me espanto Mas me alijo de temer o desencanto E de promessas vou tecendo meu futuro. Promessas de afeto e de ternuras O teu toque em meu corpo anuncia Quando eu mesmo sonho te acompanho. E mergulhado nesse abismo de loucuras Eu caminho pelo céu à luz do dia Imaginando ser real o que é um sonho.

Noite no Líbano

(dedicado a  J. L. Borges) A Lua se aproxima da Terra para olhar de perto o seu reflexo no lago Sua luz toca de leve a face dos lírios que de súbito desabrocham revelando oculta plumagem Além dos cincerros calados jornais falam de crises No ar, certo rumor de guerras profetas pregam Apocalipses. Meu coração, porém, prefere paisagens mais simples como a amplidão silenciosa das planícies de Sarom ou a paz de um cais noturno cantado por Gilbran. Olho a Lua plantada no centro da treva. Há um momento em que ela toda se agiganta e seu brilho arde na noite feito a febre cortante de um clamor. Momento em que o mar arremessa suas ondas rumorosas e a alcateia ensandecida celebra com uivos o seu instante de glória

Brasilia: Junho, 2013

Sob túrgidas marquises da metrópole e convergindo pelas vilas, vales e urbes pobre de ouros e armas a marcha do povo ressurgindo. Que nobre emblema se usaria ajustado a tais ovelhas que dos ermos montes vindo vão galgando a pedraria e entre os muros vão balindo? (Ou seriam mais que ovelhas estes leões, que vão bramindo?). Moisés ergueu sua vara Miriã cantou seu hino. Sob a luz de céu tão raro Que profeta ou taumaturgo dita a hora e seu destino? (Vejo a sombra do Oligarca se esgueirando, de mansinho). Erguesse a voz em prece ao Deus do pobre e peregrino Que reposta nos daria desde o rasgo iluminado deste ocaso repentino? (Que réplica ou que ressalva ou que sinal, à voz dos sinos?). Distante há tantos dias da sagrada epopeia que nos doa luz e ensinos clamo ao Deus dos desgraçad

Soneto Metafísico

Vai, calça tuas meias, ajusta teus sapatos, Claudio, que é longo teu percurso. Se ora O barro dessa estrada te enxovalha, ignora. Que o caminho se renova com seus fatos. Vê que a jornada é a soma dessas horas Em que a cortina se fecha ao fim do ato. Pois o drama que te aflige é só um salto Para um instante mais feliz que revigora. Caminha, que nada em vida te sucede Pelos ermos quando o medo te campeia Sem que do Além  te guie a Providência. E se o enigma de Sartre acaso te antecede Vê que é do bem que, andando, tu semeias Se abre em flor, a cor da vida, sua essência. Taiobeiras - 24/06/2013