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Mostrando postagens de janeiro, 2015

Soneto à Vênus de Milo

E vinho adocicado a compostura da pele de teu ventre de argamassa. Alada transparência que fulgura derramado no cristal de sete taças. Brindo com teu ventre à formosura destilada nos lagares da trapaça pois é vinho que o desejo transfigura e à sede de outro corpo se entrelaça. Em taças transbordantes, sem mistura quiz a pele de teu ventre em formosura impor o seu sabor e o seu sentido: É vinho de um sabor que nunca passa a pele deste ventre de argamassa que eu bebo com meus olhos comovidos. - Para minha Esposa

Primeira História

1. Palma Velha Onde o alísio celebra A liturgia das manhãs. Onde passou Fernão Dias Com sua espada E seu séquito. Palma Velha Onde o sol arredio Refaz a caminhada E a madura para a ceifa. Onde o tempo tece a renda No linho da lenda. Palma Velha Onde a lua solitária Vela o sono da alimária E o fantasma da memória Depreda as searas Com negra foice. 2. Palma Velha da epopéia Dos tropeiros viajantes E dos antigos Bandeirantes Que sonhavam esmeraldas Pelas terras encantadas. Palma Velha das veredas E dos coqueirais no vau do rio Os barqueiros serenos Lançavam suas redes Nas águas lerdas do Guaicuí. Quantas vezes ali se ouviu O aboio sorumbático De um boiadeiro errante E o tropél de seu cavalo Ao repique de um berrante? O grito do Ponteiro Chamava a comitiva O ranger do arreio E respiração dos cavalos Marcando a travessia Os cães saudando a lua E a luz dos lampiões Na quietude das taperas Ninguém via a comitiva Chegando de muito longe Só o som dos cincerros Ec

Soneto de Promessas

Eu, que vim de um rumo estranho ao teu Trazendo só o cansaço da viagem, Léguas e léguas de outros corpos percorri Até saber que eras descanso ao corpo meu. O íngreme escalei na caminhada. Transpus mar de solidão, tédio e procura. Mas foste do percalço o último passo, E o último degrau da íntima escada. Estavas à minha espera no caminho - Mágica videira - beijada pela aragem Ofertando-me do amor, seu doce vinho. Deste-me a tua mão, e eu te quiz. E seguimos pelas terras de Andersen * Sonhando para a história um fim feliz.

Soneto Português

Amada, tu bem sabes o quanto te amo! Que por amar-te me vejo assim, fanado. Tu que foste a razão de meus cuidados És, em tempo, razão de meus reclamos. Pois te sonho noutros prados orvalhados Pisando orvalho e flor, relvas e ramos. Sigo-te, mas nem sei por onde vamos Nem se te sonho, ou sou por ti sonhado. Eu bem quisera que por ti fosse sonhado A te sonhar assim distante e apartado De ti, que não me ouves quando te chamo. Amada, tu bem sabes o quanto te amo! E se a vida nos concede do que damos Como serei, de teu amor, menos amado?

Blues

  - A Muddy Waters Issaquena, Mississipi, 1913 - Westmont, Illinois, 1983 Quando no silêncio da tarde quieta e quente de um tempo rubro o teu canto se ergueu mais alto do que o canto das outras vozes dispersas  nas diversas searas do condado de Coahoma   já o teu coração sabia, Muddy Waters que o espaço de tua gleba era demais pequeno  para os labores de teu sonho. Já não te caberia o condado de Issaquena, de Coahoma ou o Mississippi. Já a América (terra dos sonhos), e os palcos do mundo  te aguardavam com teu  Blues. Despertado pela voz sonora  de tua guitarra,  sabias  que era chegado o momento de despir-se de tua camisa macerada pela soma dos outonos e de depor tuas rudes botas proletárias. Com teu perfil de índigo escalarias o íngreme  impelido pelos ventos das canções que te chegavam de longe: desde as memórias  da infância entre as charnecas lodosas do Mississippi,  desde os algodoais sombrios  da Georgia e do Alabama desde as c

Balada da Prostituta Morta.

Sempre à hora da Ave-Maria  e sempre só  e todo dia vinha ofertante  a mercadora que era, em si mesma  mercadoria. Teria, decerto, um nome distinto: Se era Marta se era Joana se era Maria, quem saberia? (Talvez Maria, a Madalena,  fosse o melhor  que lhe caberia). Mas quem merecia sabê-lo, chamá-lo, se um nome trazia de boa vontade a lótus ardente e a sutil castidade de grata amizade que muito almejava mas que não se daria? Além deste nome tão resguardado, o que mais haveria por traz de sua pele tépida e tensa  no mínimo traje  que a revelava  e que a escondia? (É que pouco se via além do contorno sensual das pernas ou da geometria de seus quadris; da algidez dos seios ou do azul contido em sua íris.) Pois  quem sa